Não cabe mais nada na minha cabeça. Toda vez que eu tento escrever não sai nada porque não cabe nada. Engraçado né, não tirar nada porque a cabeça está cheia. Para mim a criação sempre foi uma forma de lidar com o que tem dentro da cabeça. Seja a escrita, a pintura, qualquer forma de arte, era uma forma de vazão. Mas tem tanta coisa aqui dentro que não sai nada.
Faz semanas que eu tento escrever alguma coisa aqui. Fui na exposição do Monet e queria falar e falar e falar sobre ela. Não consegui. Estou estudando pintura e tem sido um processo bem novo e diferente. Não consigo escrever sobre. Completei 2 meses sem beber e em sobriedade completa. A cabeça lúcida, mas nada saía de mim. Entre tantas coisas que flutuavam por aqui, rascunhos que mal passavam de 5 palavras, voltei para o que tem me causado tanta angústia. Não cabe mais nada na minha cabeça. E isso está me travando.
O processo criativo é uma coisa curiosa e volátil. Eu não consigo escrever um poema direito desde que lancei o livro, de tempos em tempos pipoca um aqui ou acolá, o projeto do livro novo ficou marinando em seu conceito e segue andando lentamente, mas o que eu achava que me mantinha viva não escorre mais dos meus dedos. Qualquer tentativa de escrever é frustrada, me doi, me cansa. A cabeça faz um zumzumzum tamanho com tanta coisa que fica passando e querendo sair que nada sai. Entala. Na boca, no dedo.
Tento escrever listas. Um diário. Gravar um áudio para ver se o meio facilita e melhora o fluxo. Continua uma revoada de coisas. Na hora de transformar em arte o conceito vem. Ele está aqui, consigo sentir. Vejo em algum lugar o que quero fazer. Até começo a buscar. A entender. Vem alguma imagem, um lapso de inspiração. Me falta tempo. E quando tem o tempo o dedo trava. A tinta seca no pincel, nada acontece. A cabeça grita, o papel em branco.
Não cabe mais nada na minha cabeça. O papel continua vazio porque a cabeça não fica limpa. Não consegue esvaziar nesse estado lotado de coisas. Listas. Afazeres. Pensamentos. Tarefas. Informações. Noticias. Lotada. Empapuçada. Entupida. Jorrando para fora, mas para onde? Fico tentando imaginar como seria a minha cabeça se um dia ela fosse quieta. Tranquila. Vazia. Se isso tiraria de mim a capacidade de criar. Tenho medo disso. De esvaziar completamente e perder tudo. Queria esvaziar só um pouco. Os excessos. O que não me cabe. Não pertence. Deixar o que flui, inspira, o que jorra dos dedos para palavras e tintas. Ver que as lágrimas não são mais de desespero, mas de alívio e compreensão. Abrir espaço para coisas novas.
Abrir espaço.

Quando as coisas voltarem mais ao normal volto por aqui. Para falar de Monet, de Sobriedade, do livro da Annie Ernaux, das aulas de pintura. Por ora. Respeitar meu tempo. Uma coisa a menos pra cabeça. Uma culpa a mais pro peito. Entender o que doi mais e o que doi menos – a culpa ou o cansaço eterno. A cabeça cheia ou a cabeça vazia. O que me inspira mais ou menos. Entendendo por aqui. E lembrando que estou saindo do Retorno de Saturno. E abrindo espaço. Entendendo meu espaço. Será?